terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Filosofia do Esporte - Pe. Fernando Rifan


Será imperfeita e mesmo prejudicial qualquer consideração filosófica, pedagógica ou esportiva que não considere o homem na sua realidade completa, na sua dimensão corporal e espiritual. Espírito e matéria, corpo e alma, assim Deus nos criou, e nos quer sadios corporal e espiritualmente. Se a alma é mais importante, nem por isso podemos descurar a saúde do corpo: "Mens sana in corpore sano", alma sã num corpo sadio, já diziam os romanos. E a palavra de Deus na Bíblia Sagrada mostra como não lhe agrada um corpo frouxo e como um corpo vigoroso e saudável colabora imensamente para a sanidade espiritual: "A saúde e a boa compleição valem mais que todo o ouro da terra. E um corpo vigoroso é preferível a uma imensa fortuna". (Ecli XXX, 15).

São Paulo Apóstolo, partilhou a admiração das multidões helenas pelas proezas dos atletas nos Jogos Olímpicos. A agilidade dos corredores, estimulada no estádio pelo triunfo, pela perspectiva de uma coroa de oliveira, sugeria-lhe a beleza moral do combate espiritual, onde se trata também de desenvolver todas as energias para alcançar uma coroa incorruptível no Reino dos Céus.

E essa é a finalidade do verdadeiro esporte: tornar o corpo sadio e dócil para que paralelamente a alma possa se robustecer e enobrecer.

Assim compreendemos como o espírito cristão é altamente eficaz para dar ao esporte o seu verdadeiro sentido e finalidade.

Na alta Idade Média, - a verdadeira, e não a falsa que muitas vezes historiadores superficiais tentam nos impingir, - época em que a "filosofia do Evangelho governava os povos" (Leão XIII), houve uma florescência ideal do verdadeiro desporto cristão.

Pedro de Coubertin, o renovador dos Jogos Olímpicos, assim escreve: "A Idade Média conheceu um espírito desportivo de intensidade e vigor provavelmente superiores aos que conheceu a própria antiguidade grega". E ele atribui isso à influência primordial da religião que criou uma atmosfera das mais favoráveis a eclosão e desenvolvimento do espírito cavalheiresco que consiste na "lealdade praticada sem hesitação" (Pierre de Coubertin, La Pédagogie Sportive).

Esta sadia e nobre concepção influenciava favoravelmente os torneios de então. Só homens de honra aí eram tolerados; os relaxados, os perjuros, os alteadores, caluniadores, os que tinham faltado respeito às damas, eram implacavelmente afastados. Mesmo no ardor da luta não se podia conceber, e ainda menos tolerar, que um cavaleiro ousasse violar as regras do combate leal.

Esse era o verdadeiro jogo limpo, o "fair-play", como dizem os ingleses. O cristianismo conseguira assim disciplinar e adoçar os costumes de guerreiros belicosos que, sem ele, teriam feito lei de sua força física e cedido aos instintos desenfreados da violência.

Foi isso infelizmente o que ocorreu quando a religião cessou de fazer parte da vida. Quando a cavalaria entrou em decadência por falta do verdadeiro espírito cristão, os cavaleiros esqueciam o seu juramento de honradez e logo os torneios se aviltavam, dominados por instintos de brutalidade.

Com a progressiva decadência, chegamos à Renascença, onde a repugnância pelo esforço físico acompanhava naturalmente a negligência própria da vida fácil, a maré alta dos costumes dissolutos que caracterizavam esta época.

Fica patente que o esporte, sem a salutar dependência das diretivas da religião e das regras morais está fadado à decadência. Esquecendo-se a nobre finalidade do esporte cai-se no embrutecimento e no mercantilismo. Os profissionais tornam-se vulgar mercadoria de negócio, sujeitos à compra de quem mais oferece. As transações e intrigas de bastidores põem em perigo a personalidade do atleta. Toda a ideia educativa, todo o objetivo moral, todo o ideal superior ao do ganho imediato ficam esquecidos. Aí então o esporte deixa de ser esporte; torna-se batalha, espetáculo, comércio. O jogador deixa de ser esportista para ser mercenário, acrobata, qualquer coisa parecida com um gladiador hipócrita.

Quem vê nos noticiários as loucuras do esporte moderno, as falcatruas, a deslealdade, a falta de nobreza dos atletas, a ausência total de fraternidade cristã, o mercenarismo, as trapaças, a violência e brutalidade das torcidas etc., tem uma ideia de como o esporte se degrada quando se desprezam os valores morais.

Para vergonha de nossa época "civilizada", vai ficar na história do esporte o triste espetáculo ocorrido em 29 de Maio de 1985, no Estádio Heysel de Bruxelas, poucos minutos antes do início da decisão da Copa Européia de Clubes Campeões (Liverpool X Juventus): os "hooligans" (torcedores fanáticos do Liverpool) foram os autores do massacre. Além dos 39 mortos (34 italianos, dois belgas, dois franceses e um inglês), 450 pessoas ficaram feridas e algumas delas sofrem ainda hoje as sequelas físicas e morais daquela noite de horror.

Que todos, especialmente os jovens, tenham sempre presente o princípio de que o esporte é meio e não fim, meio para se alcançar a saúde do corpo e da alma, e não fim ao qual se deva sacrificar a saúde do corpo e os valores da alma.

Já dizia o filósofo grego Platão (República): "Nos exercícios do corpo os jovens propor-se-ão sobretudo aumentar a sua força moral, de preferência a desenvolver o seu vigor físico".

Assim entendido, o esporte será um meio poderoso de restabelecimento moral da juventude, segundo a afirmação de Borotra, famoso campeão francês de tênis, quando foi Ministro dos Desportos.

O Papa Pio XII propõe esta máxima sadia: "Cuidado do corpo, robustecimento do corpo, sim; culto do corpo, divinização do corpo, não". São Pio X já havia dito: "Os jovens devem amar o esporte; faz-lhes bem ao corpo e à alma; nós mesmos nos sentimos remoçar, quando os vemos correr, saltar e recrear-se".

Num discurso ao Centro Desportivo Italiano, em 09/10/1955, o Papa Pio XII enumera as virtudes próprias que a educação desportiva deve formar nos jovens atletas: "Essas são, entre outras, a lealdade que proíbe recorrer a subterfúgios, a docilidade e obediência às sensatas ordens de quem dirige um exercício de equipe, o espírito de renúncia quando é preciso esconder-se a favor das próprias cores, a fidelidade aos compromissos, a modéstia nos triunfos, a generosidade para com os vencidos, a serenidade na derrota, a paciência para com o público nem sempre moderado, a justiça se a competição esportiva está ligada a interesses financeiros livremente pactuados e, em geral, a castidade e a temperança já recomendadas pelos antigos. Todas estas virtudes, embora tenham como objetivo uma atividade física e exterior, são genuínas virtudes cristãs, que não podem adquirir-se e exercitar-se em grau exímio sem um íntimo espírito religioso e, acrescentemos, sem o freqüente recurso à oração".

Já dizia o nosso Didi (Waldir Pereira, do Fluminense, do Botafogo e da Seleção): "A vida moral e disciplinada favorece muitíssimo o rendimento do jogador. Na minha opinião, é o fator principal na vida do jogador que se preza... O primeiro objeto do meu pensamento é Deus. Recorro a Ele e confio Nele".

Gostaria de encerrar com uma história real, ilustrativa e exemplar:

Em certa prova de ciclismo, correm os dois grandes campeões italianos: Gino Bartali e Fausto Coppi.
Fausto procura crescer em velocidade e Bartali persegue-o, ficando muito para trás o pelotão.Em correria louca, os dois vão galgando quilômetros e quilômetros de estrada, descendo vales e subindo íngremes ladeiras.Aproximam-se da meta os dois campeoníssimos, banhados em suor, pelo esforço dispendido ao longo da caminhada.

Coppi arde em sede, e já não tem gota de água para os lábios ressequidos, pois se lhe esgotaram as provisões.

Dilema terrível se lhe põe ao espírito: ocultar a Gino o estado que se encontra e ir perdendo terreno, ou recorrer ao adversário e expor-se a que ele se aproveite de tal...
Fausto Coppi, a arder em sede, aproxima-se do Monge Voador, Gino, e segreda-lhe com os lábios secos, muito secos:
- Gino, tenho sede. Deixas-me beber da tua água?E Gino responde, perguntando:

- Já não tens nenhuma água, Fausto?

- Nenhuma, Gino, diz Fausto com voz sumida.

- Então, dá-me a tua "bottiglia" – acrescenta o companheiro.

E, em plena estrada, o grande Gino Bartalli divide generosamente com o seu rival a pequena porção de água de que ainda dispõe e diz:

- Olha, Fausto, se precisares mais, pede-me...

- Obrigado, Gino, - responde Fausto, cheio de gratidão.

Este sofregamente se refresca, e eis que ambos partem velozes para o final da tirada.

Os dois gigantes da estrada embalam vigorosamente. E Fausto, com as forças renovadas pela água que bebera, vence a corrida.

A multidão aclama-o com indescritível entusiasmo. Fausto, porém, logo que salta da bicicleta, corre a abraçar o generoso adversário e lhe diz:

- Obrigado, Gino. Tu és um grande Desportista.

- Tenho a certeza de que tu farias o mesmo, Fausto, murmura Gino Bartalli.
A beleza espiritual desta cena maravilhosa, desenrolada em plena estrada, demonstra como o verdadeiro esporte enobrece o homem.

Para que todos saibam, Gino Bartalli, ciclista italiano de renome mundial, foi várias vezes campeão de ciclismo, e é considerado o maior ciclista de todos os tempos.

Onde estava a força deste jovem campeão? Deixemos que ele mesmo nos conte:

"Só com as qualidades técnicas e físicas, e mesmo atléticas, não se dura muito e não se avança com continuidade. São necessárias as qualidades morais, que podem ser inatas, mas também se adquirem e que, num e noutro caso, só pela vontade se conservam. A par do vigor muscular, é mister possuir a força do espírito, o conhecimento do valor do sacrifício, a generosidade, o amor do desporto, o respeito pelo público. E sobretudo a Fé... Os princípios cristãos valeram-me na vida desportiva como na vida privada. A moral cristã indicou-me uma conduta que, além do seu valor espiritual, possui também um valor prático. E é o melhor, acreditai. Finalmente, devo dizer que a vida da Graça ajuda verdadeiramente o homem a ser desportista integral. Sempre comecei as minhas competições com o sinal da Cruz e, quando podia com a Comunhão. Ao passar junto de qualquer santuário de Nossa Senhora ou perto de algum Cruzeiro, sempre me benzia ou lhes dirigia uma saudação e ficava mais fortalecido e amparado no meio dos muitos perigos que corri".

Que a nossa mocidade, vibrante e sadia, saiba copiar os bons exemplos. Avante! Alma sã num corpo sadio!

Fonte: Quer Agrade, quer desagrade - Pe. Fernando Rifan

O Heresiarca Lutero

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