sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Mansidão e Violência - Robert Hugh Benson


Felizes os mansos (Mt 5,4)

O reúno dos céus sofre violência e violentos se apoderam dele (Mt 11,12)

A cristandade tomou a tarefa de encorajar a própria virtude para o progresso humano. Segundo o filósofo alemão [refere-se a Nietzsche] que lançou abertamente esta acusação, o progresso só pode ser natural, seja no procedimento, sem em finalidade.

A natureza, como todos sabem, não tem a mínima noção do perdão, da compaixão, da ternura; ao contrário eleva-se das mais baixas para as mais altas formas, valendo-se de forças opostas. A gazela ferida não encontra proteção junto a seus companheiros. O velho lobo, incapaz de defender-se, fica ferido esperando a morte. O leão doente esconde-se e morre faminto: todos esses instintos, adverte o filósofo, tem por objetivo o gradual e aperfeiçoamento da raça, com a eliminação dos mais fracos. Assim deveria acontecer entre os homens. Porém, o cristianismo protege deliberadamente os fracos, construindo hospitais, procurando preservar aqueles que a natureza eliminaria; mostra-se inimigo da raça humana, e impede eficazmente, mais que qualquer outra religião, a vinda daquele super-homem, o qual a natureza busca desenvolver.

Não é de admirar, que pregador de uma semelhante doutrina, tenha acabado seus dias em um manicômio.

Existe atualmente uma ampla difusão destas mesmas idéias, por parte de “pessoas práticas”. A mansidão, a gentileza e a compaixão, dizem estes, são virtudes elegantes, mas para poucos, como as mulheres e crianças. É necessária a adoção de um código mais rígido, de uma linha de conduta mais próxima à estabelecida pela natureza. Não hesiteis, portanto: “Tende fé em vós mesmos, não sejam tolerantes, afirmai fortemente vossos diretos. Lembrem-se que a fraqueza do outro é para vós um magnífica ocasião de êxito. Cuidem de seus interesses deixem que os outros se ocupem com os deles. Um indivíduo não deve dar mostrar de virtudes cristãs, mas de sólidas qualidades de um homem de ação”.

Se de um lado a mansidão e a gentileza cristão são objetos de acusações, de outra parte surge outra acusação, a Igreja é violenta e intransigente.

Os católicos não são condescendentemente para serem verdadeiros seguidores do humilde Profeta da Galiléia; nem pacíficos para merecerem a bem-aventurança prometida por Cristo. Ninguém é tão tenaz, obstinado e violento como esses que se confessam discípulos de Jesus. Reparem no modo como se apoiam e insistem nos seus direitos; nos obstáculos que levantam contra o divórcio, o aborto, o preservativo e o homossexualismo.

Percebam a violência contida nestas palavras: Index e Excomunhão. A veemência com que insistem sobre uma absoluta obediência à autoridade; o modo irracional com que afastam os que não professam seu Credo. É verdade que em nossos dias só podem ameaçar com penas espirituais, mas a história mostra o que fizeram.

Os instrumentos de tortura, a fogueira da inquisição, mostram claramente como a Igreja atuava. Podemos imaginar algo mais discordante do espírito de Cristo, que ao ser insultado, não retribuía; que ordenou a seus discípulos que o imitassem, pois era humilde e manso de coração.

Os dois lados, ser muito pacífica e muito insolente, muito terna e muito violenta, constituem realmente um paradoxo, ao qual faz eco com a vida de Jesus Cristo. No Cenáculo, ordenou para quem não tivesse espada, vendesse o manto para comprar uma; enquanto no Getsêmani, mandou Pedro guardar a espada, acrescentando: “Todos os que pegam a espada pela espada perecerão” (Mt 26, 52). No templo toma o chicote e com as próprias mãos açoita os profanadores; depois em outra ocasião, desnudo deixa que os carrascos o flagelem. Como se pode conciliar esse paradoxo?

Sempre lembremos que a Igreja é ao mesmo tempo Divina e Humana.

É composta de pessoas que estão unidas entre si e com o mundo exterior, por meio de um sistema perfeitamente equilibrado de direito e deveres, conhecido por Lei e por Justiça. Essa Lei derivada definitivamente de Deus é natural e humana, existe em certa extensão em todas as sociedades. É uma Lei que os homens deveriam encontrar, usando apenas a luz da razão, sem o auxílio da Revelação.

Vindo ao mundo, Cristo revelou aos homens a caridade sobrenatural, algo jamais imaginado. A caridade pareceu repentinamente poderosa a ponto de fazer com que as suas prescrições levassem vantagem sobre os fracos imperativos da justiça vigente; depois disso, os homens começaram a agir em conformidade com a natureza Divina da Caridade, para poder assim, perdoar o irmão, não sete, mas até setenta e sete vezes (Mt 18, 22); para oferecer ao próximo uma medida abundante, cheio, transbordante, e não somente o mínimo.

Com o raiar da caridade sobre a terra, florescem todas as virtudes cristãs: generosidade, mansidão, sacrifícios, mortificações; as quais Nietzsche condenava como contrárias à natureza humana.

A lei da justiça natural foi vencida e a Lei da Caridade reinou em seu lugar, de agora em diante, se um homem tomar-te a túnica, deixa-lhe também o manto (Mt, 5, 40).

Dai ao homem mais do que lhe é devido, contentai-vos com o que vos cabe. Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrarei descanso para vossas almas (Mt 11, 29). Perdoai-vos as ofensas mutuamente, com a mesma generosa caridade com que Deus perdoa. Não julgueis para não serdes julgados (Mt 7, 1). Não queirais ser tratados, segundo os rígidos ditames da justiça, mas uniformizados aos princípios e na medida que Deus usa convosco.

A Igreja guarda, além dos direitos dos homens que podem ser sacrificados com seu consentimento, os direitos inflexíveis e as prerrogativas eternas de Deus, as quais ninguém pode ignorar.

Consciente desse imprescindível dever, a Igreja é inflexível quando se trata de defender a verdade; assim sendo considerada intransigente para o mundo.

O direito e o dever da criança católica ser batizada ter uma formação religiosa; a verdade revelada sobre o matrimônio indissolúvel, e que Jesus é Filho de Deus, não são matérias para opiniões, as quais movidos por caridade e humildade, os homens podem mudar; essas verdades baseiam-se em princípios imutáveis de Deus.

Perante o perigo de que tais verdades sejam distorcidas, mostrar mansidão e docilidades diante dessas matérias, não seria prova de caridade e humildades mas uma traição ao que lhe foi confiada. O imperativo de Deus, neste caso é explícito: “Quem não tiver uma espada, venda seu manto para comprar uma” (Lc 22, 36). Porque em tais questões é necessário resistir até a última gota de sangue. Portanto, a Igreja Católica será sempre violenta e inflexível, quanto trata dos direitos de Deus, será absolutamente impiedosa para com a heresia. Ao mesmo tempo, mostrará a máxima caridade para com o herege, uma vez que muitas circunstâncias podem atenuar sua responsabilidade, e tão logo se arrependa, será imediatamente readmitido no seio da Igreja. Sempre amará o herege e odiará seu erro, porque este é humano e a verdade da Igreja é Divina.

A surpreendente incapacidade do mundo em compreender os princípios que condizem a Igreja depende da moderna confusão de pensamento quanto ao domínio do Divino e do Humano. O mundo considera razoável que uma nação estenda seus territórios na base da força, ao passo que considera, intolerância da Igreja condenar os erros e as falsas doutrinas. A Igreja, ao contrário, incita sempre seus filhos a ceder, quando estão em jogo interesses puramente materiais, porque a caridade, com maior razão, permite contentar com menos; mas resistirá sempre, quando se tratar do triunfo de uma verdade e de um direito Divino, porque não pode ser caritativa concedendo o que não lhe pertence.

Em semelhantes circunstâncias não hesitará em vender o manto para comprar uma espada, mas que em questões puramente matérias permanecerá sempre na bainha.

Vemos com a clareza de uma imagem refletida num espelho, a manifestação evidente deste paradoxo. Cristo cavalga montado num jumento pelas ruas de Jerusalém em uma processão simples, Aquele que é todo poderoso, que é acompanhado de Querubins e Serafins no Céu, contenta-se em virtude de sua humildade, estar ao lado de alguns pescadores e um bando de crianças. Aquele cuja honra os anjos cantam eternamente aceita os aplausos do povo pobre.

Não obstante, cavalga para demonstrar que não abdica de seus direitos. Como Rei não renuncia o seu cortejo, embora composto de poucos esfarrapados, cuja proclamações causarão revolta dos fariseus. Entra na Capital de seu Reino, embora este o repudie, quer ser coroado, ainda que seja por uma coroa de espinhos.

Este foi o mesmo procedimento da Igreja através dos séculos. Em seus direitos puramente humanos, renuncia a tudo, como aconteceu em vários países onde foi saqueada e aconselhará aos seus filhos para que façam o mesmo. Se o mundo não lhe permitir adornar seus ostensórios com pedras preciosas, servir-se-á de pérolas de vidro e usará cimento em vez de mármore. Concederá ao mundo tudo o que lhe pedem, desde que fiquem intactos os seus direitos divinos.

Continuará a aconselhar, mesmo que poucos acolham; repudiará os rebeldes que dividam de sua autoridade, e punirá sempre os profanadores de seu templo, não se importando com os desprezos humanos. Mas, jamais renunciará, esmo que seja com violência ou mansidão: sua realeza coroada pelo próprio Deus.

- Robert Hugh Benson 
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