segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Casamento Natural - Carlos Ramalhete

Casamento natural 
É o que a nossa natureza demanda & faz
30/10/16 | Carlos Ramalhete (via Medium

Moda é besteira. Casamento é eterno.
(...)

Outro fenômeno de rebanho, pregado com tamanha veemência que facilmente encontra defensores empedernidos até mesmo entre os que se consideram conservadores, é a parte atual de um fenômeno ininterrupto de desconstrução do matrimônio, já em curso há pouco mais de um século. Busca-se desconstruir o matrimônio para que se possa tentar reinventar a sociedade, negando às crianças a herança sócio-cultural que apenas em casa receberiam. Aqui no Brasil Antônio Conselheiro, em sua feroz oposição ao casamento civil, talvez tenha sido seu primeiro mártir.

Para podermos tratar de tema tão fortemente atacado pelos inimigos da Igreja e do homem, convém antes de qualquer outra coisa estabelecer os termos que empregarei. Ao dizer “matrimônio”, ou “casamento”, não me refiro obrigatoriamente ao matrimônio sacramental. Isto ocorre por ser o casamento algo necessário e natural ao homem; em qualquer sociedade saudável ele existe, e sua perversão costuma ser um dos ineludíveis sinais do fim de uma sociedade. Ao “casamento religioso”, assim, tratarei pelo nome de “sacramento do matrimônio”, tendo contudo sempre em mente a possibilidade de a cerimônia (o ritual ocorrido na igreja) não ter validade, saindo assim os noivos da igreja tão solteiros quanto entraram.

O que é, assim, o matrimônio, e por que ele é tão combatido pelos que desejam inventar uma sociedade nova? O casamento é a união pela qual é formada, como o nome indica, uma “casa”, um lar que atravessa as gerações. Diziam os antigos que o ideal era sempre morrer na mesma cama em que se nasceu. A isto pode-se completar lembrando que para que tal é necessário que se tenha essa casa em que nascer e morrer, e que nossos antepassados a tenham tido, e que nossos descendentes a tenham ainda. A casa é natural ao homem; apenas em períodos conturbados e decadentes saem em massa as pessoas de casa para alojar-se de outras maneiras (“na rua”: quartel, por exemplo), pois a casa física nada mais é que a forma física da continuidade da “casa” no sentido social, apontada em nossa sociedade de hoje em geral pelo sobrenome. O lar, a casa que se far e refaz pelo casamento de cada geração, assim, atravessa necessariamente as gerações: a casa sólida construída pelo trisavô hoje é onde são criados os filhos pequenos do trineto, representante daquela casa — no sentido social — naquela geração.

A união em casamento, assim, é uma união que perpassa as gerações. Nela os filhos de duas casas se unem em matrimônio para ter filhos, a quem darão os nomes de ambas as casas nos sobrenomes do pai e da mãe. Em muitas sociedades existem cobranças de um lado ou de outro; desde o dote (em que a família da noiva paga à família do noivo) ao contradote (quando o noivo dá dinheiro à noiva). Em algumas sociedades o casamento é arranjado diretamente pelos pais, e em outras um intermediário (muitas vezes profissional) é usado. Em outras, ainda, como a nossa, o casamento é arranjado pelos noivos com auxílio das famílias. Em nenhuma forma de sociedade, contudo, a não ser que esteja em bárbara decadência ou que se trate de uma família nobre à qual sacrifícios maiores são requeridos, pode o casamento ocorrer sem que haja o desejo da parte de ambos os noivos de que isto ocorra. Em outras palavras, o casamento é algo feito pelos noivos. Nas sociedades — ou famílias — em que o casamento é arranjado, ambos foram educados desde a mais tenra infância para esperar que isto ocorra, e sempre há mecanismos para procurar ajudá-los neste sentido.

É curioso observar que na Índia, hoje em dia uma sociedade tecnologicamente muito avançada, a maior parte dos casamentos seja arranjada pelos pais, tendo enorme sucesso os programas de computador e redes sociais destinados à busca de cônjuge. São comuns anúncios em que uma moça, doutora em informática por uma cobiçada universidade norte-americana, procura um rapaz com doutorado na mesma área, de situação social similar, etc. Os filmes de Bollywood também trazem sempre histórias matrimoniais interessantes.

O que mais nos poderia parecer estranho é que nas sociedades em que há casamentos arranjados e o divórcio é liberado as taxas de divórcio são ínfimas. Isto ocorre porque a presença de um intermediário “com a cabeça fria” ajuda a evitar o perigo dos casamentos feitos por “paixonite aguda de verão”. De posse destes tão curiosos dados, eu passei anos atrás muitas noites enchendo inúmeras vezes o copo de vinho de casamenteiros profissionais em Jerusalém, onde morava, buscando a compreensão do que então para mim parecia francamente absurdo. Minha primeira linha de racionalização foi defender que certamente a baixíssima taxa de divórcios se devia a uma condenação maior do divórcio naquela sociedade que em outras. Apontaram-me não ser o caso, e, efetivamente, os dados o comprovaram.

Como poucas coisas me atiçam mais a atenção que a possibilidade de, perdendo em um debate, aprender mais, repeti inúmeras vezes a experiência. Ao fim e ao cabo, não me convenceram de que o casamento arranjado seja superior à forma como o fazemos aqui — afinal, para isso seria necessário que os noivos houvessem sido criados esperando por isso, o que implicaria em criar as crianças em um gueto fora da sociedade, o que não é uma boa ideia. Convenceram-me, contudo, que há coisas que se pode fazer para aumentar as chances naturais de um casamento dar certo. É delas que passarei em breve a tratar.

Primeiro precisamos, como sempre, acertar os termos. “Natural”, neste sentido, é aquilo que não vai além da natureza humana marcada pelo Pecado de Adão. Ou seja: aquilo que não faz apelo às graças de estado do matrimônio, que são graças que Deus nos dá para que o matrimônio seja para nós lugar e meio de santificação. O ser humano é tremendamente elástico em suas capacidades; se trocássemos o filho de um casal esquimó pelo filho de um casal beduíno eles cresceriam normalmente em sociedades tão absurdamente diferentes das de seus pais, por serem, justamente, seres humanos. Os indianos aguentam coisas que nenhum ocidental sonharia em aguentar. E por aí vai. Essas ações (dos hipotéticos beduininho e esquimozinho, dos indianos, etc.) são naturais. A ação sobrenatural é a que vai além daquilo, por uma graça especial de Deus, que nos é dada, justamente, quando nos casamos sacramentalmente. Assim como o sacramento do batismo nos torna filhos adotivos de Deus, o sacramento do matrimônio nos torna capazes de encontrar no cônjuge e nos filhos nossa santificação, nos dá forças para ir em frente quando tudo poderia parecer impossível, nos dá acesso à Divina Providência, etc.

Mas “meus” casamenteiros não trabalhavam com cristãos. Eles não contavam com as graças de estado do sacramento do matrimônio. E quais eram as dicas, que parecem tão evidentes depois de enunciadas (continuou valendo a pena; o papo foi ótimo, e o vinho era muito bom)?

A primeira dentre elas é que devemos prestar atenção na idade dos cônjuges. Homem e mulher amadurecem, via de regra, de maneiras diferentes e em ritmo diferente. Uma moça de 16 anos de idade é uma mulher jovem; um rapaz de 16 é um rapazote, ainda longe de se tornar um homem. A diferença de idade ideal, disseram-me eles e que, ao longo dos anos, vim a observar no mundo e concordar, é de dez anos: a moça de 16 está parelha ao rapaz de 26 anos de idade, em termos de maturidade. É claro que sempre há exceções, mas a regra é essa. Assim, o casal vai amadurecer juntos ao longo da vida, sem que jamais uma mulher no auge da forma se veja casada com um velho ou vice-versa.

E qual seria a margem de manobra? Afinal, seria uma restrição absurda demandar essa diferença exata. Com certeza, como em tudo o mais na natureza, há uma certa elasticidade nessa demanda. Esta diferença, aprendi, é de dez anos para mais ou para menos. Assim, o grau de loucura de quem se decide a casar com uma moça exatamente da mesma idade (loucura da moda em nossa sociedade, aliás, muito por conta das escolas e de sua prática antinatural de juntar crianças por idade) é o mesmo de quem se decide a casar com uma vinte anos mais nova. É tão arriscado casar-se com uma moça cinco anos mais nova quanto casar-se com uma quinze anos mais nova. E passar dessa divisa derradeira, casando-se com uma moça mais de vinte anos mais nova ou mais velha que o homem é pedir para ter problemas. Mas, não esqueçamos, o ser humano tem uma tremenda capacidade de elasticidade, e ainda temos as graças do matrimônio do nosso lado. Assim, é sempre possívelque um casamento assim dê certo, como é possível que dê certo o casamento de um anão com uma mulher agigantada. O amor a tudo vence.

E como na natureza tudo se encaixa maravilhosamente bem, esta diferença de idade torna perfeitas as idades para o matrimônio e, por conseguinte, para o primeiro filho. O fim primeiro do matrimônio é ter filhos e criá-los, e para que o façamos precisamos naturalmente ter condições físicas adequadas. Uma moça de dezoito que se case com um rapaz de vinte e oito terão mais ou menos o mesmo nível de maturidade, e ela estará chegando ao auge de sua capacidade procriativa. Esta, que como quase tudo na natureza sobe da impossibilidade a um pico e desce de novo à impossibilidade, formando o desenho de um sino, tem seu auge por volta dos vinte anos de idade. A moça que tem o primeiro filho entre os dezoito e os vinte e dois estará aproveitando o momento em que seu corpo estará mais forte, mais capaz, mais fértil.

Se a sociedade cria obstáculos — e como cria obstáculos para a mulher, a nossa sociedade! É sua especialidade, diria eu –, é a sociedade que está errada. Camille Paglia disse que deveria haver um mecanismo pelo qual as moças pudessem interromper a formação universitária, sem tabus, sem preconceitos e sem prejuízos, para poder cuidar do primeiro filho, nessa faixa etária. Ela tem toda razão. Entretanto, o que a nossa sociedade faz é demandar que a moça aja como um rapaz, que nessa idade (18–22) não tem maturidade suficiente para nada mais que servir como soldado ou em alguma outra condição em que sejam os outros a dar as ordens e ele a obedecer. A idade em que o rapaz finalmente se livra da faina que a sociedade decadente coloca como preparação para o casamento não é nem pode ser a mesma da moça, que fica madura muito antes dele. Ao aplicar à moça o que convém apenas ao rapaz, o que se faz é impedi-la de ter seus primeiros filhos na idade em que estaria biológica e psicologicamente mais preparada para eles.

O que acaba acontecendo, na nossa sociedade decadente e delirante, é que quando finalmente o relógio biológico da moça, que vinha tocando sem parar desde a adolescência, entra em pânico, lembrando-lhe de que não há mais muitos óvulos, e que os melhores já foram todos embora, aí é que a pobrezinha é considerada “núbil” pela sociedade. Ora, vinte e oito anos de idade pode ser idade de começar a vida para um rapaz, bicho tardio e imaturo, mas para uma mulher é praticamente a chegada da meia-idade. Ter seu primeiro filho nessa idade é possível, sim, claro, como é possível tornar-se medalhista olímpica ou entrar para a faculdade de medicina. Mas filhos não demandam muito menos que esta faculdade, e aos trinta a mulher não tem mais nem a fertilidade, nem as condições de extrema saúde física de uma moça de vinte. Aos trinta ela deve estar com os filhos já crescidos o suficiente para demandar-lhe pouco esforço. Aos quarenta eles devem estar adultos, pois ela estará em plena meia-idade e não terá, em absoluto, condições físicas de ficar correndo atrás de molequinhos banguelas.

Além destas obviedades acima, o que mais aprendi ouvindo e observando ao longo dos anos desde que, décadas atrás, sentei-me para conversar com os casamenteiros, não tendo jamais fechado os olhos desde então para tais questões?

Outras obviedades, oras. É prudente que se diminuam ao máximo os choques culturais: se um cônjuge vem de uma família em que a Páscoa é a festa religiosa por excelência e o outro vem de uma em que a Páscoa é o grande e maravilhoso dia de dar chocolate às crianças, um problema anual está à vista. Do mesmo modo, se um espera que a mulher cumpra seu dever de levar-lhe achocolatado morninho na cama e a outra, com toda a razão do mundo, espera que seja ele a romanticamente levar-lhe café na cama, tem-se uma tensão evitável. O ideal, na nossa sociedade, é aproveitar os meses do namoro para descobrir todas essas coisinhas, ver como os pais do cônjuge se tratam — pois é assim que o cônjuge esperará ser tratado quando numa relação de casal –, alcançar um terreno comum em demandas religiosas e sociais, etc.

Do mesmo modo, é conveniente que ambos venham mais ou menos do mesmo meio social, pois assim enorme quantidade dessas diferencinhas já será eliminada logo de cara. São lindas as histórias de casamentos do príncipe e da gata borralheira, mas esses dois vão ter que apelar, e muito, para as graças de estado que Deus lhes dará, tamanhas as diferenças nas expectativas que trarão para a relação.

Vale a pena também prestar atenção nas relações intrafamiliares da família do cônjuge em outros sentidos: uma moça que é filha única certamente terá tido vivências familiares tremendamente diferentes das de um rapaz que é o filho do meio entre sete moleques. O ideal é que a moça tenha tido dentro de casa algum “protetor” em situação semelhante à do rapaz em sua própria família — se ela é caçula de poucos filhos, ele poderia ser o mais velho dentre poucos filhos, por exemplo.

Ainda: diziam, com razão, os antigos que namoro ou noivado comprido demais “encrua”. Realmente. Já escrevi a respeito, e por isso só aponto as grandes linhas aqui: namoro serve para ver se é ou não esta pessoa. Não é ocasião de “curtir” o outro, sim de aprender sobre ele para ver se não há nenhum grande impeditivo (daí as dicas acima). Noivado é o tempo de preparar o casamento. Noivou? Marque o casamento para o menor tempo possível, pois o noivado é, como o namoro mas mais ainda (pois a decisão já foi tomada) uma situação em que a convivência é forçosamente artificial. Não existe o estado civil de “namorando” ou “noivando”, sim de “solteiro” e “casado”; o que há entre um e outro é um processo, não uma situação, e transformá-lo em situação é estragá-lo em sua capacidade de cumprir seus objetivos.

Finalmente, convém lembrar novamente que tudo isso que apontei acima refere-se apenas ao quadro natural do matrimônio. Tudo isso serve para o casamento de católicos, mas também vale para o de judeus, muçulmanos, hinduístas, etc. A diferença é que nós, católicos, justamente, temos — além da elasticidade e da capacidade de sobrevivência em ambientes difíceis que todo ser humano tem — as graças de estado, que nos fortalecem e nos ajudam, e fazem com que muitas vezes seja maravilhoso um casamento que tinha tudo para dar errado.

O Heresiarca Lutero

Blood Money